Free cookie consent management tool by TermsFeed Generator

PARECER Nº 26/2025/CÂMARAS TÉCNICAS DE ENFERMAGEM


26.08.2025

PROCESSO Nº 00196.001658/2025-55

ELABORADO POR: CÂMARA TÉCNICA DE LEGISLAÇÃO E NORMAS DE ENFERMAGEM

ASSUNTO: ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO NA PRÁTICA ANESTÉSICA

 

  Parecer Técnico sobre a possibilidade de atuação do enfermeiro como anestesista no Brasil, com base em modelos internacionais e diante da escassez de médicos anestesiologistas. A proposta envolve a criação de programas de especialização e demanda análise quanto à legalidade, viabilidade educacional, segurança do paciente e impactos no sistema de saúde.

 

1. INTRODUÇÃO

1. Trata-se de solicitação de parecer técnico encaminhada por meio do Memorando nº 145/2025 – COFEN/GABIN/CAMTEC, motivada por manifestação recebida via Ouvidoria do Cofen, que propõe a realização de estudos sobre a viabilidade da atuação do enfermeiro como anestesista no Brasil.

2. A proposta tem como base modelos internacionais, com destaque para a experiência dos Estados Unidos, onde os Certified Registered Nurse Anesthetists (CRNAs) exercem papel relevante na administração de anestesia, de forma autônoma ou em colaboração com médicos.

3. Entre os argumentos apresentados, destacam-se:

  1. Demanda crescente por profissionais especializados em anestesia, diante da escassez de médicos anestesiologistas, especialmente em regiões remotas;
  2. Experiência internacional positiva, com enfermeiros anestesistas atuando com segurança e ampliando o acesso aos procedimentos anestésicos;
  3. Proposta de capacitação rigorosa, com programas de formação teórica e prática em nível de especialização;
  4. Potenciais benefícios ao sistema de saúde, como a redução de filas cirúrgicas, melhor distribuição de profissionais e ampliação do acesso à anestesia segura.

4. O Memorando ressalta que a administração de anestesia é, atualmente, ato privativo do médico anestesiologista, conforme a Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico). Por essa razão, solicita-se análise aprofundada quanto aos aspectos legais, normativos, éticos, assistenciais e de segurança do paciente, bem como os impactos no sistema de saúde, de modo a subsidiar posicionamento técnico-institucional sobre o tema.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO E ANÁLISE 

Delimitação normativa da atuação do enfermeiro no contexto da prática anestésica

5. A Lei nº 7.498/1986, que dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem, estabelece que o enfermeiro é responsável por ações de maior complexidade técnica e que exijam conhecimentos científicos aprofundados, incluindo assistência a pacientes graves, planejamento da assistência e supervisão de equipe (art. 11, incisos I e II). O Decreto nº 94.406/1987, que regulamenta essa lei, reafirma essas competências no art. 8º, ao prever como atribuições privativas do enfermeiro a prestação de cuidados diretos a pacientes com risco de vida, a participação na programação e organização dos serviços de saúde e o gerenciamento da assistência em sua integralidade.

6. No plano ético, a Resolução COFEN nº 564/2017 define que o exercício da enfermagem deve se pautar na responsabilidade, competência técnico-científica e respeito aos princípios da bioética. O Código de Ética também reforça o dever do profissional de atuar com base em evidências, visando à segurança do paciente, à qualidade da assistência e à promoção da saúde.

7. Esse conjunto normativo constitui a base para a atuação do enfermeiro nos diferentes momentos do processo anestésico permitindo-lhe exercer funções assistenciais, de monitoramento, organização e cuidado ao longo das fases pré, trans e pós-anestésica, sempre respeitando os limites legais da profissão e os princípios éticos que regem a prática.

Limites e possibilidades da atuação do enfermeiro na anestesia no Brasil

8. No ordenamento jurídico brasileiro, o ato anestésico, incluindo a indução anestésica, a administração de anestésicos e a intubação orotraqueal, é considerado ato privativo do médico, nos termos da legislação vigente e das normativas dos Conselhos de Medicina. Assim, a realização direta desses procedimentos pelo enfermeiro não é autorizada, podendo configurar exercício ilegal da medicina e infração ética.

9. No entanto, a atuação da enfermagem no contexto anestésico não se limita ao momento da indução. O enfermeiro pode e deve exercer funções relevantes nas fases pré-anestésica, trans anestésica (assistencial e de monitoramento) e pós-anestésica, conforme os princípios da sistematização da assistência de enfermagem (SAE), as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e as diretrizes do próprio Conselho Federal de Enfermagem (COFEN).

10. No período pré-anestésico, o enfermeiro participa da avaliação inicial do paciente, da checagem de materiais e equipamentos, da preparação da sala cirúrgica e da execução de protocolos de segurança. Durante o procedimento anestésico, o profissional pode colaborar com o posicionamento do paciente, o monitoramento dos sinais vitais, assistência ventilatória, a administração de medicamentos sob prescrição e a manutenção das vias de acesso. Já na recuperação pós-anestésica, o enfermeiro é protagonista no acompanhamento da estabilidade clínica do paciente, na identificação precoce de complicações e na execução de cuidados intensivos imediatos.

11. Portanto, embora o ato anestésico em si permaneça restrito ao médico, o enfermeiro exerce papel complementar, técnico e assistencial, essencial à segurança e à continuidade do cuidado perioperatório. Essa delimitação de competências é importante tanto para evitar a extrapolação de funções quanto para reconhecer a complexidade da assistência prestada pela enfermagem no contexto anestésico, seja em procedimentos cirúrgicos ou em exames diagnósticos com uso de anestesia, como endoscopias e exames de imagem sob sedação, que apresentam volume elevado.

Situação da prática anestésica por enfermeiros no Brasil

12. No Brasil, a anestesia é considerada uma atividade privativa do médico anestesiologista, conforme as normas vigentes, e não há atualmente regulamentação que autorize a atuação de enfermeiros anestesistas. Apesar disso, estudos apontam que o país dispõe de estrutura potencial para formação desses profissionais por meio de programas como a residência em enfermagem, que tem duração de dois anos e carga horária compatível com os padrões internacionais (Espírito Santo; Martinho, 2024). O conteúdo curricular proposto inclui aspectos técnicos e científicos rigorosos, conforme diretrizes da International Federation of Nurse Anesthetists (IFNA), e poderia ser adaptado à realidade brasileira.

13. Ainda que não exista formalmente a função de enfermeiro anestesista, enfermeiros perioperatórios no Brasil já exercem atividades relevantes em diferentes momentos do procedimento anestésico, especialmente nos períodos de indução e despertar anestésico. Contudo, enfrentam limitações significativas, como acúmulo de funções, escassez de recursos humanos e ausência de protocolos específicos para a prática de enfermagem em anestesia (Lemos; Poveda, 2022). Além disso, há relatos de situações irregulares, como administração de anestésicos por enfermeiros em ambientes onde o anestesiologista não está presente, o que configura exercício ilegal da medicina e infração ética, conforme mencionado anteriormente.

14. Esse panorama revela não apenas uma sobrecarga de trabalho, mas também lacunas formativas e legais que dificultam a consolidação de uma prática segura e regulamentada de enfermagem em anestesia no país. A ampliação dessa discussão é necessária, com base em evidências e experiências internacionais, para avaliar a viabilidade de inserção regulamentada dessa atuação avançada no contexto brasileiro.

A atuação da enfermagem na recuperação pós-anestésica e a necessidade de dimensionamento compatível

15. A recuperação pós-anestésica (RPA) constitui uma fase crítica do cuidado perioperatório, caracterizada por instabilidade clínica transitória, monitoramento intensivo e necessidade de resposta imediata a eventos adversos. Nesse contexto, a atuação da enfermagem é indispensável para a segurança do paciente, sendo o enfermeiro o profissional com competência técnica e respaldo legal para coordenar o cuidado, identificar alterações clínicas precoces e implementar condutas necessárias.

16. A prática anestésica da enfermagem na RPA envolve ações complexas de monitoramento, suporte ventilatório, administração de medicações sob prescrição, controle de dor e vigilância contínua do estado geral do paciente. Essas atribuições exigem formação especializada, raciocínio clínico e autonomia técnica, compatíveis com o escopo da prática avançada da enfermagem.

17. Considerando esse perfil assistencial, o planejamento da força de trabalho deve refletir a complexidade da assistência prestada na RPA. Embora o Parecer Normativo COFEN nº 01/2024 traga diretrizes gerais para o dimensionamento da equipe de enfermagem, a RPA demanda uma análise contextualizada, podendo, inclusive, ser considerada de forma análoga às unidades de terapia intensiva, dadas suas similaridades operacionais, como o monitoramento contínuo e a necessidade de resposta imediata a intercorrências.

18. Nesse sentido, o dimensionamento da equipe de enfermagem na RPA deve assegurar condições para a atuação segura e eficaz do enfermeiro, garantindo cobertura assistencial compatível com os riscos clínicos do setor, em conformidade com os princípios da legislação profissional, das boas práticas e da política nacional de segurança do paciente.

A formação especializada para a segurança da assistência em enfermagem na prática anestésica

19. Para que a discussão sobre a prática avançada em enfermagem anestésica evolua com responsabilidade e consistência, é indispensável considerar a necessidade de formação específica e qualificada dos profissionais. A complexidade dos procedimentos perioperatórios e a vulnerabilidade do paciente anestesiado exigem profissionais não apenas tecnicamente capacitados, mas também preparados para atuar com segurança, tomada de decisão clínica, raciocínio crítico e trabalho interdisciplinar.

20. A oferta de programas de pós-graduação lato sensu e residências multiprofissionais, voltados especificamente à formação em enfermagem anestésica, representa uma estratégia estruturante para qualificar a prática e garantir o cumprimento de padrões assistenciais exigentes. Essas formações podem ser orientadas por currículos alinhados às diretrizes internacionais, como as da International Federation of Nurse Anesthetists (IFNA), respeitando a realidade brasileira e os limites legais vigentes.

21. Investir no desenvolvimento de habilidades clínicas, simulações realísticas, treinamento multiprofissional e fundamentos teóricos sólidos é essencial para que a assistência prestada seja segura, eficaz e centrada no paciente. Além disso, uma formação especializada contribuiria para reduzir variações informais na prática assistencial, mitigar riscos e ampliar a confiabilidade dos serviços prestados em contextos perioperatórios e anestésicos.

22. Nesse cenário, o avanço da formação em enfermagem anestésica não apenas fortalece a profissão, como também promove a segurança do paciente, a eficiência do cuidado e o aperfeiçoamento das equipes de saúde, especialmente em regiões onde a cobertura assistencial ainda enfrenta desafios estruturais.

Contextualização Internacional sobre a Atuação de Enfermeiros Anestesistas

23. A atuação de enfermeiros anestesistas é uma realidade consolidada em diversos países, ainda que com variações quanto à autonomia e supervisão. Nos Estados Unidos, os Certified Registered Nurse Anesthetists (CRNAs) possuem elevada autonomia, podendo administrar anestesia de forma independente em mais de vinte estados, sem necessidade de supervisão médica direta (Munday, R, 2023). No Canadá, o modelo varia entre províncias, sendo comum a atuação em equipes supervisionadas (Canadian Anesthesiologists Society, 2022). No Reino Unido, os Anaesthesia Associates atuam como profissionais de apoio sob supervisão contínua de anestesiologistas (Royal College of Anaesthetists, 2023). França e Alemanha adotam modelos semelhantes, com enfermeiros altamente qualificados que atuam em colaboração com médicos durante os procedimentos anestésicos (Ministère de la Santé, 2025; Bundesagentur für Arbeit, 2025).

24. Nos países escandinavos, como a Suécia, os enfermeiros anestesistas exercem maior autonomia, com supervisão médica remota ou simultânea a múltiplas salas (Allnurses, 2010). Já na Austrália e na Nova Zelândia, esses profissionais desempenham funções assistenciais, sem independência técnica, mesmo em áreas remotas (Australian College of Perianaesthesia Nurses, 2024; Lakes District Health Board, 2023). Em países como a África do Sul, a escassez de médicos anestesiologistas tem impulsionado a formação de enfermeiros anestesistas como solução para ampliar o acesso à anestesia segura (Bezuidenhout; De Beer, 2021).

25. Adicionalmente, em países de baixa e média renda, a oferta de anestesia segura ainda é limitada. Estudo com 22 países apontou que 43% dos hospitais avaliados não possuíam máquina de anestesia funcional e 56% não conseguiam realizar anestesia geral. Nessas realidades, a anestesia é frequentemente administrada por técnicos ou enfermeiros com treinamentos informais ou variáveis, evidenciando tanto a escassez de médicos quanto a dependência crescente da enfermagem para suprir essa lacuna (Hadler et al., 2016).

26. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reforça que enfermeiros e parteiras representam mais da metade da força de trabalho em saúde global e são essenciais para garantir o acesso à cobertura universal de saúde. A entidade reconhece que, especialmente em contextos de escassez, os enfermeiros podem e devem ter suas competências expandidas, inclusive em funções avançadas como a anestesia, desde que com a formação adequada, regulamentação clara e garantia da segurança do paciente (WHO, 2019).

27. Adicionalmente, a OMS, em conjunto com a Federação Mundial de Sociedades de Anestesiologistas (WFSA), reconhece que, em contextos de escassez de recursos e pessoal, a anestesia pode ser administrada por profissionais não médicos, como enfermeiros, desde que adequadamente treinados e com supervisão institucional. As diretrizes internacionais enfatizam que a presença contínua de um profissional qualificado durante o ato anestésico é essencial para garantir segurança e qualidade, mesmo em sistemas de saúde com infraestrutura limitada (WHO; WFSA, 2018). Essa diretriz internacional dialoga com a proposta de discutir a ampliação da atuação dos enfermeiros anestesistas no Brasil, considerando os padrões globais de segurança e qualidade.

28. Esses modelos demonstram que a presença do enfermeiro na anestesiologia é viável e adaptável, desde que contextualizada aos marcos regulatórios, educacionais e assistenciais de cada país, podendo contribuir de forma significativa para a ampliação do acesso e a melhoria da qualidade da atenção à saúde.

A necessidade de avanço na discussão sobre a prática avançada em enfermagem anestésica

29. Diante da relevância da atuação da enfermagem nos cuidados perioperatórios e da experiência internacional consolidada com práticas clínicas avançadas, é oportuno e necessário avançar nas discussões sobre a enfermagem anestésica no Brasil, sob a perspectiva da prática avançada de enfermagem.

30. A prática avançada representa uma evolução natural da profissão, voltada à ampliação da autonomia clínica de enfermeiros com formação específica, capacidade técnica comprovada e atuação em áreas de maior complexidade. Essa abordagem tem sido adotada globalmente como estratégia para fortalecer os sistemas de saúde, reduzir desigualdades no acesso e promover a segurança do paciente, sobretudo em regiões remotas ou com limitações assistenciais.

31. Organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde, têm incentivado a utilização de competências ampliadas por profissionais de enfermagem, desde que respaldadas por regulamentação clara, formação robusta e protocolos assistenciais bem definidos. Essa diretriz dialoga com a realidade brasileira, onde muitos profissionais de enfermagem já atuam com alto grau de responsabilidade técnica no contexto perioperatório, inclusive em situações de difícil acesso a recursos especializados.

32. Nesse cenário, é possível identificar diversas vantagens associadas à atuação da enfermagem na prática anestésica, tais como: a ampliação do acesso à anestesia segura em regiões com déficit de cobertura assistencial, a integração qualificada da equipe multiprofissional no cuidado perioperatório, a otimização dos recursos humanos disponíveis e a valorização da enfermagem como agente clínico com formação especializada. Além disso, a atuação de enfermeiros com competências ampliadas pode contribuir significativamente para a resolutividade e a continuidade do cuidado, especialmente nas etapas críticas do processo anestésico, como o pré e o pós-anestésico, que se não realizadas adequadamente podem contribuir com desfechos graves e catastróficos.

33. Por outro lado, é necessário reconhecer os desafios que acompanham essa proposta, como a necessidade de regulamentação normativa específica, a construção de currículos formativos adequados à complexidade do cuidado anestésico, a delimitação clara de atribuições no âmbito multiprofissional e a garantia de condições estruturais e institucionais que assegurem a prática com qualidade e segurança. Tais desafios não devem ser vistos como impeditivos, mas como elementos que reforçam a importância de conduzir esse debate com base em evidências, diálogo interprofissional e compromisso com a assistência centrada no paciente.

34. Nesse sentido, discutir a possibilidade de avançar na regulamentação e formação de enfermeiros para atuação qualificada na anestesia não apenas reconhece práticas já existentes de forma mais segura e organizada, mas também contribui para a construção de modelos de cuidado mais acessíveis, resolutivos e centrados no paciente.

Experiências institucionais no Brasil: iniciativas e protocolos assistenciais

35. No Brasil, uma instituição de saúde desenvolveu protocolos assistenciais voltados à atuação da enfermagem no contexto anestésico, demonstrando a viabilidade técnica e a contribuição do enfermeiro para a segurança do paciente em diferentes momentos do cuidado.

36. Entre as ações previstas, destaca-se a participação do enfermeiro em etapas do período pré-anestésico, com a realização de triagem estruturada para identificação de fatores de risco, como via aérea difícil, broncoaspiração e condições clínicas específicas que impactam o risco anestésico, a exemplo de anemia falciforme e miastenia gravis. A partir da análise de parâmetros clínicos, exames laboratoriais e histórico do paciente, o enfermeiro contribui com medidas preventivas, sinalização de riscos e alinhamento da conduta assistencial com a equipe multiprofissional.

37. Essa triagem é utilizada para subsidiar o planejamento anestésico, apoiar a discussão de estratégias de prevenção de complicações e promover consciência situacional entre os membros da equipe assistencial.

38. Outro protocolo adotado refere-se ao transporte intra-hospitalar de pacientes críticos ou semicríticos, com classificação prévia de risco clínico. Nos casos definidos como de baixo risco, o transporte pode ser realizado por enfermeiro com formação específica em práticas anestésicas, desde que sob supervisão remota de anestesiologista, com tempo de resposta definido. O acompanhamento exige treinamento técnico, certificações reconhecidas — como o Advanced Cardiovascular Life Support (ACLS) e o Pediatric Advanced Life Support (PALS) — e domínio de parâmetros clínicos monitorados durante o deslocamento. O procedimento segue diretrizes alinhadas à RDC nº 7/2010 da ANVISA.

39. Além disso, a instituição em questão consolidou uma política institucional para a recuperação pós-anestésica (RPA), estabelecendo critérios de admissão, alta, monitorização e condutas em intercorrências. Nessa política, a equipe de enfermagem é responsável pela avaliação clínica contínua do paciente na RPA, utilizando escalas específicas (Aldrete e Kroulik Modificado, Steward) e intervindo em situações críticas, como dor intensa, sangramentos, arritmias, náuseas, hipoxemia, broncoespasmo e outras intercorrências comuns no período imediato pós-anestésico. Estão definidos parâmetros para acionamento de protocolos institucionais, como código azul, código via aérea difícil, código hemorrágico e outros.

40. Ainda como parte do processo de consolidação dessa prática, enfermeiros da equipe de prática anestésica da referida instituição desenvolveram um estudo preliminar, em vias de publicação, para definição de competências mínimas dos enfermeiros atuantes na área, com base em revisão da literatura internacional e validação por especialistas. O resultado foi a consolidação de uma lista com 131 competências, que incluem atividades tais como reconhecimento das técnicas anestésicas e dos efeitos esperados e adversos dos medicamentos utilizados, monitorização clínica e interpretação de parâmetros hemodinâmicos e respiratórios, execução de procedimentos como punções, ultrassonografia vesical e curativos cirúrgicos entre outros.

41. Essas competências foram adaptadas ao escopo legal da enfermagem, respeitando os limites éticos e normativos da profissão, e passaram a orientar treinamentos internos e a qualificação da assistência prestada.

42. Tais experiências demonstram que, mesmo diante das delimitações legais vigentes, é possível estruturar a atuação do enfermeiro na prática anestésica de forma segura, protocolar e integrada à equipe multiprofissional, promovendo cuidado de qualidade, rastreabilidade assistencial e eficiência institucional.

 

3. CONCLUSÃO

43. A análise técnica realizada permite concluir que a ampliação da atuação da enfermagem na prática anestésica, sob a perspectiva da prática avançada, é uma proposta que merece ser debatida de forma qualificada e responsável. Do ponto de vista normativo, a legislação brasileira vigente delimita com clareza os atos privativos do médico, mas também assegura ao enfermeiro atribuições técnicas e assistenciais complexas, que se estendem ao contexto anestésico, especialmente nas fases pré e pós-anestésica.

44. Sob a ótica da viabilidade educacional, verifica-se que o Brasil dispõe de estrutura formativa compatível com a especialização em enfermagem anestésica, sendo possível avançar com programas baseados em diretrizes internacionais, adaptados ao marco legal nacional.

45. Em relação à segurança do paciente, observa-se que a atuação do enfermeiro, quando estruturada com protocolos institucionais, supervisão adequada e formação específica, contribui de forma significativa para a detecção precoce de intercorrências, a continuidade do cuidado e a mitigação de riscos. Experiências institucionais documentadas confirmam a viabilidade e os benefícios dessa prática.

46. Nesse sentido, conforme o artigo 4º, incisos IV e VI, da Lei nº 12.842/2013, são atividades privativas do médico a intubação traqueal, bem como a execução de sedação profunda, bloqueios anestésicos e anestesia geral, assegurando a segurança do paciente e a observância dos limites legais das demais categorias profissionais da saúde. Por fim, no que tange aos impactos no sistema de saúde, a proposta apresenta potencial para ampliar o acesso à anestesia segura em regiões com déficit de cobertura assistencial, qualificar o cuidado prestado e otimizar a alocação de recursos humanos, desde que respeitados os limites legais e garantidas as condições adequadas para sua implementação.

 

REFERÊNCIAS

ALLNURSES. The Autonomy of Nurses in Several Countries. 2010. Fórum online. Disponível em: https://allnurses.com/the-autonomy-nurses-several-countries-t329693/. Acesso em: 09 abr. 2025.

AUSTRALIAN COLLEGE OF PERIANAESTHESIA NURSES. Anaesthesia Nurse Certification. 2024. Disponível em: https://www.acpan.edu.au/professional-development/anaesthesia-nurse-certification/. Acesso em: 09 abr. 2025.

Bundesagentur für Arbeit. Fachkrankenpfleger/in für Intensivpflege und Anästhesie. Alemanha. Disponível em: https://web.arbeitsagentur.de/berufenet/beruf/14452. Acesso em: 09 abr. 2025.

BEZUIDENHOUT, L.; DE BEER, J. Anaesthetic nurse training in South Africa and the role of the anaesthetist. ResearchGate, 2021. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/350125745_Anaesthetic_nurse_training_in_South_Africa_and_the_role_of_the_anaesthetist. Acesso em: 09 abr. 2025.

BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 36, de 25 de julho de 2013. Institui ações para a segurança do paciente em serviços de saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 32-33, 26 jul. 2013. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2013/rdc0036_25_07_2013.html. Acesso em: 9 abr. 2025.

BRASIL. Decreto nº 94.406, de 8 de junho de 1987. Regulamenta a Lei nº 7.498/1986, que dispõe sobre o exercício da Enfermagem. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 9.930, 9 jun. 1987.

BRASIL. Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 26 jun. 1986.

BRASIL. Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013. Dispõe sobre o exercício da Medicina. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 jul. 2013.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 529, de 1º de abril de 2013. Institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 43, 2 abr. 2013. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt0529_01_04_2013.html. Acesso em: 9 abr. 2025.

CANADIAN ANESTHESIOLOGISTS’ SOCIETY. Position Statement on Nurse Anesthetists. 2022. Disponível em: https://www.cas.ca/CASAssets/Documents/Practice-Resources/Reports-Position-Papers/CRNA-Position-Statement-FINAL-08-22.pdf. Acesso em: 09 abr. 2025.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM (COFEN). Resolução nº 564, de 6 de novembro de 2017. Aprova o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-5642017_59145.html. Acesso em: 09 abr. 2025.

ESPÍRITO SANTO, D. B. do; MARTINHO, M. de M. de O. Enfermeiro anestesista: uma possibilidade de especialização no Brasil. Brasília: [s.n.], 2024. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/381046612_Enfermeiro_anestesista_uma_possibilidade_de_especializacao_no_Brasil. Acesso em: 09 abr. 2025.

FRANÇA. Ministère de la Santé. Infirmier(e) Anesthésiste Diplômé(e) d’État (IADE). Disponível em: https://sante.gouv.fr/metiers-et-concours/les-metiers-de-la-sante/le-repertoire-des-metiers-de-la-sante-et-de-l-autonomie-fonction-publique/soins/sousfamille/soins-infirmiers/metier/infirmier-ere-anesthesiste-iade. Acesso em: 09 abr. 2025.

HADLER, R. A. et al. Anesthesia Care Capacity at Health Facilities in 22 Low- and Middle-Income Countries. World Journal of Surgery, v. 40, n. 5, p. 1025–1033, 2016. DOI: 10.1007/s00268-016-3430-4.

LAKES DISTRICT HEALTH BOARD. RNAA Programme FAQs for ATs & RNs. 2023. Disponível em: https://www.lakesdhb.govt.nz/assets/Position-Descriptions-HR/RNAA-Programme-FAQs-for-ATs-RNs-May-2023.pdf. Acesso em: 09 abr. 2025.

LEMOS, T. S.; POVEDA, V. de B. Papel da Enfermagem perioperatória na anestesia: panorama nacional. São Paulo: [s.n.], 2022. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/359903040_Papel_da_Enfermagem_perioperatoria_na_anestesia_Panorama_nacional. Acesso em: 09 abr. 2025.

NATIONAL ACADEMIES OF SCIENCES, ENGINEERING, AND MEDICINE. The future of nursing 2020–2030: charting a path to achieve health equity. Washington, DC: The National Academies Press, 2021. DOI: 10.17226/25982. Disponível em: https://nap.nationalacademies.org/catalog/25982/the-future-of-nursing-2020-2030-charting-a-path-to. Acesso em: 09 abr. 2025.

Munday, R. NURSEJOURNAL. CRNA Supervision Requirements: Where Can Nurse Anesthetists Practice Independently? 2023. Disponível em: https://nursejournal.org/nurse-anesthetist/crna-supervision-requirements/. Acesso em: 09 abr. 2025.

ROYAL COLLEGE OF ANAESTHETISTS. Information on Anaesthesia Associates. 2023. Disponível em: https://rcoa.ac.uk/media/43901. Acesso em: 09 abr. 2025.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Strengthening the nursing workforce to advance universal health coverage in the Eastern Mediterranean Region. Cairo: WHO Regional Office for the Eastern Mediterranean, 2019. (EM/RC66/4). Disponível em: http://www.emro.who.int/entity/statistics/regional-health-observatory.html. Acesso em: 09 abr. 2025.

WORLD HEALTH ORGANIZATION; WORLD FEDERATION OF SOCIETIES OF ANAESTHESIOLOGISTS. International standards for a safe practice of anesthesia: 2018 edition. Geneva: WHO; WFSA, 2018. Disponível em: https://www.wfsahq.org/resources/international-standards-for-a-safe-practice-of-anesthesia/. Acesso em: 09 abr. 2025.

 

Parecer elaborado e discutido por: Dr. Antônio Francisco Luz Neto, analisado, corrigido e aprovado pelos membros da CTLNENF: Dra. Cleide Mazuela Canavezi, Dr. Antonio Francisco Luz Neto, Dr. Jebson Medeiros Martorano, Dr. Jorge Domingos Sousa Filho, Dr. Osvaldo Albuquerque Sousa Filho, Dra. Natália Augusto Rodrigues Bortolotti.

 

Parecer aprovado na 577ª Reunião Ordinária de Plenário em 22 de maio de 2025.

 

Documento assinado eletronicamente por:

Dr. Antônio Francisco Luz Neto, Coren-PI 313.978- ENF, Coordenador(a) da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 21/07/2025.

Dra. Cleide Mazuela Canavezi, Coren-SP 386.882-ENF, Membro da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 21/07/2025.

Dr. Jebson Medeiros Martorano, Coren-AC 95.621 – ENF, Membro da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 21/07/2025.

Dra. Natalia Augusto Rodrigues Bortolotti, Coren-SP 211.931-ENF, Membro da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 21/07/2025.

Dr. Osvaldo Albuquerque Sousa Filho, Coren-CE 56.145-ENF, Membro da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 21/07/2025.

Dr. Jorge Domingos de Sousa Filho, Coren-RO 111.710-ENF, Membro da Câmara Técnica de Legislação e Normas de Enfermagem, em 22/07/2025.

Compartilhe

Outros Artigos

Receba nossas novidades! Cadastre-se.


Fale Conosco

 

Conselho Federal de Enfermagem

Entrequadra Sul 208/209, Asa Sul, CEP:70254-400

61 3329-5800


Horário de atendimento ao público

De segunda a sexta, das 8h às 12h e das 13h às 17h

Contato dos Regionais